Yunnan é uma província no sudoeste da China que faz fronteira com Mianmar, Tibet e Vietnã. Repleta de paraísos naturais, é abrigo de diversas minorias étnicas e de cinco patrimônios da humanidade, como a milenar cidade de Lijiang, parte da antiga Rota do Chá, e uma surpreendente floresta de pedras. Em meio a paraísos, Yunnan abriga cavernas. E, como em boa parte das cavernas do mundo, ali vivem morcegos. Foi em uma delas que um grupo de cientistas começou a recolher swabs nasais dos mamíferos voadores no início dos anos 2000. Tinham como objetivo mapear a possível origem do coronavírus que causou a SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave), gripe que infectou 8098 pessoas e matou 774 delas no mundo todo entre 2002 e 2003.
Três anos depois do surto, os cientistas publicaram um artigo que provava a ligação entre o parasita e os morcegos da caverna de Yunnan. Esses vírus seriam o resultado da mutação genética que levou os morcegos a serem os únicos mamíferos capazes de voar, argumentaram os pesquisadores (vírus são restos de DNA: pedaços de RNA envoltos em uma camada de gordura que alteram o funcionamento das células quando nos hospedeiros). Depois de uma nova mutação, o coronavírus passou a circular entre seres humanos.
Em 2017, o mesmo grupo de pesquisadores publicou um novo artigo. Desta vez, sobre a descoberta de outros tipos de coronavírus existentes em quatro espécies de morcegos daquela mesma caverna. Também chamavam a atenção para a possibilidade do surgimento de uma outra epidemia, possivelmente mais letal para o homem do que a que os levou de volta para dentro das cavernas.
No início deste ano, Dra. Zen Li-Shi, líder do grupo de pesquisadores, veio a público dizer que os genes do Covid-19 , encontrado primeiramente sobre as superfícies de um mercado de animais na cidade chinesa de Wuhan, são 96% idêntico aos dos mapeados há cinco anos. O elo entre o mercado de Wuhan e as cavernas de Yunnan ainda é - e provavelmente seguirá sendo - desconhecido. O intermediário pode ser um pangolim (um pequeno mamífero comum na China) que hospedava o vírus, como sugerem pesquisadores em um artigo da revista Nature, um caçador de morcegos ou um traficante de animais silvestres que circulou pela capital de Hubei. O que se sabe, no entanto, é que uma fronteira natural foi cruzada.
Um dos pesquisadores que acompanhou a Dra Shi e sua equipe nas cavernas de Yunnan, o americano Peter Daszeak, presidente da EcoHealth, laboratório de pesquisas de Nova York, afirmou ao The New York Times: “Estamos dizendo que isso podia acontecer há anos”. Ele conta que no estudo de 2017, os cientistas recolheram amostras de sangue de yuanenses que viviam próximos às cavernas. Em 3% deles, encontraram anticorpos para tipos de coronavírus. “Não sabemos se essas pessoas foram infectadas na infância, ou mesmo se ficaram doentes. O fato é que os vírus deram o salto dos morcegos para os seres humanos e continuarão fazendo isso se as condições não mudarem”.
Por: Maria Laura Neves | Fonte: Marie Claire